a doutrina do choque

Foi o golpe de estado de Augusto Pinochet, e a sangrenta repressão que se lhe seguiu, que permitiu a Milton Friedman e aos seus seguidores, os Chicago Boys, usar o Chile como laboratório das suas doutrinas de capitalismo do desastre. Aterrorizado, o povo estaria incapaz de reagir à política neoliberal de depauperação de milhões em favorecimento de uns poucos. Esta política foi tentada noutros lugares do mundo, sempre em consequência de um desastre, quer político, económico ou até natural.

Não nos iludamos. O que se está a passar em Portugal não é fruto da governação de José Sócrates (embora não a defenda, nem de perto nem de longe). Quem o afirma, quer fazer de nós parvos. Sócrates não governou a Irlanda, a Grécia, Espanha, Itália e, por este andar, França, Holanda ou a Bélgica (sim, a crise vai lá chegar se os pusilânimes dirigentes europeus, com Durão à cabeça, assim o permitirem). O que se está a passar em Portugal faz parte de um monstruoso plano neoliberal, de proporções nunca antes tentadas, de desmantelamento do Estado Social em toda a Europa, de liquidação dos mais elementares direitos dos trabalhadores, de escravização encapotada e destruição da propriedade pública (incluindo a privatização, ao desbarato, de sectores estratégicos como a electricidade e a água).

Assustando-nos com o papão do colapso económico, mais facilmente nos terão dóceis, dispostos a "fazer sacrifícios", a abdicar de prestações sociais que, querem-nos fazer crer, a nós que pagamos impostos, não são um direito, mas antes uma esmola de um Estado esbanjador, prática aberrante e perdulária que só pode conduzir à bancarrota.

Fiquemo-nos com este excerto do livro "A Doutrina do Choque", de Naomi Klein:


Durante o primeiro ano e meio (1), Pinochet seguiu fielmente as regras de Chicago: privatizou algumas, embora não todas, companhias do Estado (incluindo vários bancos); permitiu inovadoras formas de finanças especulativas; abriu de par em par as fronteiras às importações estrangeiras, derrubando barreiras que desde há muito protegiam as indústrias chilenas; reduziu as despesas do Estado em 10% - excepto as forças armadas, que receberam um aumento significativo (2). Também eliminou o controlo sobre os preços - uma decisão radical num país que tinha regulado o preço dos produtos básicos, como o pão e o óleo de cozinha, durante décadas.

Os Chicago Boys tinham assegurado a Pinochet de forma confiante que, se ele retirasse de repente e de uma só vez o envolvimento governamental nestas áreas, as leis "naturais" da economia política iriam reencontrar o seu equilíbrio e a inflação (...) iria descer de forma mágica. 

Estavam enganados. Em 1974 a inflação chegou aos 375% - a mais alta taxa do mundo e quase o dobro do valor mais alto que atingira com Allende. O custo dos bens essenciais, como o pão, disparou. Ao mesmo tempo, os chilenos estavam a cair no desemprego porque as experiências de Pinochet com o "comércio livre" estavam a inundar o país com importações baratas. Os negócios locais estavam a fechar, incapazes de competir, o desemprego atingiu níveis recorde e a fome tornou-se predominante. O primeiro laboratório da Escola de Chicago foi um desastre.

Isto, meus amigos, faz-vos lembrar alguma coisa?

(1) após o golpe de 11 de Setembro de 1973.
(2) é curioso estabelecer um paralelo com a actual situação em Portugal, onde todos os ministérios verão o seu orçamento reduzido excepto o da Administração Interna, que até é aumentado. Ao contrário do Chile, não é às nossas forças armadas que cabe o papel de controlo e repressão das populações, mas às polícias e aos serviços de informação, sob a alçada do Ministério da Administração Interna.

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