ocupar wall street, ocupar o mundo

Por Juan Gelman

Teve início há cerca de duas semanas, em Nova Iorque, a acção “Ocupem Wall Street”. O diario.info publica hoje três textos que permitem acompanhar mais de perto esta significativa acção, que se propôs intervir nem mais nem menos que num dos locais emblemáticos do capital financeiro. Esta corajosa iniciativa foi acolhida, como não podia deixar de ser, com brutal repressão policial: só no dia 1 de Outubro mais de 700 manifestantes foram detidos, espancados, algemados e levados para a prisão. Hoje mesmo realiza-se um grande comício popular de solidariedade com o movimento e de exigência de libertação imediata e sem acusação dos presos. A maior potência capitalista é também a sociedade mais desigual do planeta. E nessa sociedade em crise começam a abrir-se significativas brechas.

“Ocupar Wall Street” é a palavra de ordem dos jovens e de outros menos jovens que desde há duas semanas protestam no Zuccotti Park, ex Liberty Plaza Park, em pleno centro financeiro de Nova Iorque. A polícia prende alguns, a outros pulveriza-lhes a cara com pimenta, mas eles não abandonam o lugar em que se reúnem e em que debatem o que vão fazer. Empunham cartazes que dizem: “Formei-me, não tenho trabalho”, e estão tão indignados como os seus congéneres espanhóis.

Os media não lhes dão grande importância, o New York Times apelida-os de actores de um progressismo de pantomina, mas os que protestam vivem num país com 14 milhões de desempregados segundo os números oficiais (www.bls.gov, 2-9-11), ou 34 milhões segundo estimativas europeias (http://www.eutimes.net/, 6-3-11). No extremo oposto da pirâmide social, mais exactamente no seu topo, encontra-se Bill Gates, o mais rico dos 400 estado-unidenses mais ricos na lista de Forbes, com bens no valor de 54.000 milhões de dólares (www.forbes.com/forbes400, 21-9-11). Juntos, esses 400 possuem mais riqueza do que 180 milhões dos seus concidadãos (http://www.politicalfact.com/, 5-3-11) e o total dessa riqueza, que ascende a 1,5 milhões de milhões de dólares, aumentou 12% em relação a 2010 (//blog.nj.com, 20/9/11). Decididamente, a crise económica global assume características especiais na potência mundial número um. E certas particularidades curiosas.

Os CEO (directores executivos) das grandes empresas recebem em média 11 milhões de dólares anuais (www.aflcio.org/corporate watch, 2011) e até ganham dinheiro na tumba, se tiverem falecido no exercício das suas funções. A família de Eugene Isenberg, CEO da Nabor Industries, especializada na la perfuração de poços de petróleo, teria recebido 263,6 milhões de dólares a título de compensações póstumas, incentivos, abonos e vários seguros de vida se Eugene tivesse morrido antes da empresa renegociar o seu contrato (The Wall Street Journal, 10/6/08). Para Michael Jeffries, da fábrica de roupa Abercrombie & Fitch, a quantia foram apenas uns modestos 17 milhões de dólares (http://www.marketwatch.com/, 13/5/09). Nem vale a pena referir que não é essa a situação de muitos assalariados que morrem antes da reforma, por vezes no seu próprio local de trabalho.

Poucas empresas estariam na disposição de conceder compensações póstumas às famílias dos seus empregados, por mínimas que fossem. O que acontece é o inverso, e é sinistro: há anos que as empresas estado-unidenses contratam seguros de vida para os seus milhões de operários, obtêm dessa forma benefícios fiscais, e embolsam o seguro quando algum deles falece. O Wall Street Journal contou o caso da viúva de um empregado bancário que processou o Amegy Bank de Houston, reclamando os 1,6 milhões de dólares que essa entidade recebera do seguro de vida do seu marido, seguro esse que a direcção do banco contratara meses depois de ter sido operado a um cancro e que mantiveram apesar de o terem entretanto despedido (//online.wsj.com, 24/2/09).

A pouco mais de um ano das eleições em que espera ser reeleito, o presidente Obama apresentou no Congresso um plano para a redução do défice fiscal – que atingiu 1,23 milhões de milhões de dólares em Agosto passado ou seja 8,5% do PIB nacional -. O plano inclui um aumento da tributação aos rendimentos anuais superiores a um milhão de dólares: é a chamada norma Buffet, do multimilionário Warren Buffet, que desde 2007 proclama que ele e os seus mega-ricos amigos acabam por pagar menos impostos do que o cidadão comum e que, portanto, era necessário aumentar-lhes a carga fiscal. Será difícil que os republicanos aprovem essa norma mas, mesmo que o façam, o número de abrangidos andaria pelos 0,3% dos contribuintes e, segundo estima o New York Times (17/9/11), o seu resultado previsível durante uma década seria insignificante. Mas, enquanto iniciativa eleitoral, não é mal pensada.

O plano de Obama propõe um investimento de 447 mil milhões de dólares para a criação de ofertas de emprego, mas alguns especialistas não compartilham do optimismo que essa proposta - pela qual os republicanos também não manifestam qualquer afeição – suscita. Segundo o conhecido estratega financeiro John Hermann (http://www.bloomberg.com/, 27/9/11), tenderá muito mais a manter postos de trabalho do que a aumentar o seu número. Contribuiria para criar ou manter uns 280.000 empregos nos próximos dois anos, uma quantidade demasiado exígua face ao nível de desemprego existente.

As manifestações de Zuccotti Parka organizam-se e alimentam-se através da internet, como sucedeu no Egipto, e o twitter é a via de contacto preferida. Aprenderam outras lições da revolução egípcia: o regime de Mubarak bloqueou com eficácia a internet, e um grupo de peritos e de activistas está empenhado na geração de redes alternativas para o caso de que algo semelhante venha a acontecer (//chronicle.com, 18/9/11). Com o apoio das novas tecnologias, as redes sociais adquiriram um peso político relevante, e os que convidam à ocupação de Wall Street sabem-no bem.

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