para este peditório já dei


Pela infância que me foi dado viver, e se calhar por feitio, nunca acreditei em contos de fadas. Talvez por isso, não acredito em peditórios ou saraus de beneficência onde as damas da minha infância se compraziam a exibir-se em sociedade (eram os eventos do jet set da época), para amainar as suas consciências cristãs. Não sou defensor da caridade. Sou apologista de que um governo que seja governo deve batalhar, até ao limite das suas forças, para que nem um dos seus concidadãos precise de esmolas (e, ao contrário do que a drª Isabel Jonet quer fazer crer, é mais digno receber um subsídio de desemprego do que uma lata de feijão ou um pacote de arroz, sei do que falo porque já recebi ambos. E até porque, ao contrário da esmola, o subsídio de desemprego é um direito para o qual os desempregados contribuíram, e bem, enquanto trabalharam).

Nunca fui à bola com Isabel Jonet. Intuição? Desconfiança? Má vontade? Seja pelo que for, o tempo deu-me razão. Isabel Jonet não presta, não vale os cargos - agora internacionais - a que se alcandorou com a sua fama de boa alma à frente do Banco Alimentar. Para este peditório já dei. Leiam-se, no artigo que se segue, algumas declarações de Isabel Jonet à TSF onde, erro meu, má fortuna, até parecia que estava a ouvir Mitt Romney, o candidato republicano à presidência dos Estados Unidos que despreza a população que não paga impostos. A linha de pensamento é igual. O neoconservadorismo feroz é uma "marca de confiança" comum a ambos. Há os que vivem à conta do Estado. E há os que vivem à conta da caridadezinha. E não me refiro aos pobres, está claro. Esses não deviam existir. Só existem porque existem pessoas como Isabel Jonet.

Caiu-lhe a máscara, drª isabel jonet?

Por Nuno Serra

«As pessoas passaram a achar que têm direito a todas as prestações sociais e dão-no como adquirido. E portanto muitas vezes - isso verificou-se nos últimos anos - preferem até ir para o subsídio de desemprego do que ter um emprego, ainda que ele seja menos bem pago. Porque sabem que vão ter essa prestação no final do mês: ou o rendimento social de inserção ou o subsídio de desemprego. Ora, isso veio trazer alguma perversidade neste tipo de fórmulas, que são fórmulas de emergência e que deviam ser reduzidas ao máximo. Mas sobretudo para fazer com que este montante que é afectado a estas prestações sociais não atingisse níveis incomportáveis e insustentáveis para o Estado. (...) [o Estado] mete-se demais em coisas em que não deve». (daentrevista da TSF e do Diário de Notícias a Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar contra a Fome).

Num momento em que há cada vez mais famílias a viver em situação dramática; em que a economia colapsa e o desemprego dispara; em que as iniquidades se aprofundam (num país que é o terceiro mais desigual da OCDE); e em que salários e prestações sociais (já de si dos mais baixos na Europa) sofrem cortes brutais, Isabel Jonet decide juntar-se à miséria moral e ao populismo demagógico que grassa em certos meios conservadores e que marcará, de forma inapagável, a governação da actual maioria PSD/PP.

O Banco Alimentar é uma instituição que, de um modo geral, os portugueses consideram. Muitas famílias beneficiam dos bens distribuídos, tornando possível minorar o sofrimento, a angústia e a falta de horizonte em que um número cada vez maior de pessoas se encontra. Dir-se-ia até que o Banco Alimentar conhece, como poucos, os contornos mais precisos que a carência económica assume em Portugal. E é por isso impensável que a presidente do Banco Alimentar desconheça que a taxa de risco de pobreza seria de 43% no nosso país, caso as transferências sociais não a restringissem a 18% (isto é, a menos de metade). Ou seja, se o Estado não «se metesse demais em coisas que não deve» - como defende Isabel Jonet - cerca de 4 em cada 10 portugueses encontravam-se em risco de pobreza (e não 2 em cada 10, como as estatísticas demonstram).

Não se tratando portanto de ignorância em relação à profunda crise social e económica que o país atravessa, nem em relação aos traços estruturais da pobreza em Portugal, as declarações da presidente do Banco Alimentar só podem ser interpretadas de duas formas: ou Isabel Jonet decidiu surfar, de forma obscena e repugnante, a onda de populismo e miséria moral que se instalou; ou a economista que preside ao Banco Alimentar está apenas a tratar da sua vidinha e dos seus negócios. Isto é, a mostrar sinais de interesse em contratualizar com o Estado uma qualquer parceria público-privada no «sector» da pobreza (que se encontra em vertiginosa expansão), criando simultaneamente condições que favoreçam (ainda mais) o aumento da «procura» (pela redução, «ao máximo», das tais «fórmulas de emergência»: RSI e Subsídio de Desemprego). E não é de excluir, obviamente, que estas duas interpretações se complementem.

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