o pior da manifestação é o dia seguinte

Por Pedro Tadeu
http://www.dn.pt

O problema das enormes manifestações, como a de sábado passado, é o dia seguinte, quando se exige um pouco mais de nós do que uma pueril discussão sobre o alegado milhão ou os supostos 500 mil que realmente protestaram nas ruas.

No dia seguinte, dizem os defensores do Governo, ninguém apresenta alternativas às políticas de Pedro Passos Coelho. Isso não é, simplesmente, verdade. PS, PCP e Bloco, inúmeros economistas (independentes, de esquerda, do "centrão", gente biograficamente ligada ao PSD e ao PP), jornalistas, vários académicos, todos os parceiros sociais e até intelectuais estrangeiros têm listado, com maior ou menor arrojo, com maior ou menor dissonância em relação ao programa vigente, inúmeras ideias diferentes, de pormenor ou de fundo, para tentar melhorar a situação. Só por desonestidade intelectual se pode dizer que todas elas são irrealismo radical impraticável, demagogia populista ou ilusão revolucionária anacrónica.

Não chega. A verdade é que no dia seguinte a estas manifestações nada junta num projeto de poder os que se uniram para cantar a Grândola. Reconheço isto, por muito que me entristeça. Nem sequer uma bandeira, pois até o lema usado sábado, "Que se Lixe a Troika", não é consensual.

Limitou-se aquela participação cívica, notavelmente pacífica, a ser uma mera libertação coletiva de bílis? Foi apenas uma catarse inconsequente? Se houvesse amanhã eleições, em que votaria a maioria dos manifestantes? Será que iria, sequer, votar ?...

Com a perspetiva de suceder à atual coligação do poder uma aliança PS/PP e uma austeridade semelhante à atual, quantos dos que escreveram em cartão canelado palavras de amargura e desespero, para mostrar ao País a sua indignação, estão dispostos a alinhar, de novo, no jogo da alternância, da roleta "mais do mesmo", onde perdemos, suavemente, as fichas de democracia?

Numa situação semelhante, em eleições ensombradas por esta crise louca, apareceu um dia seguinte ao dia do protesto. Foi o Syriza na Grécia. Foi o MoVimento 5 Estrelas na Itália. Têm a uni-los apenas uma única coisa, prática: mandaram o consenso oposicionista às malvas e tentaram um projeto próprio, viável, de conquista do poder.

Todo o sistema dominante, político/jornalístico, tratou de os nivelar, de os igualar, com arrogância ou com ignorância, na área da loucura política. Tentam, pelo medo, afastá-los do eleitorado. Tentam, pelo medo, que a situação não se repita aqui...

Em Portugal haverá alguém capaz de nos dar um dia seguinte ao dia do protesto? Alguém sem medo?

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