o esoterista

Por Viriato Soromenho-Marques
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Ao longo da vida, alguns têm a oportunidade da sua "estrada de Damasco". E eu acabo de ter a minha em relação a Cavaco Silva. Para interpretar um texto é preciso estar à sua altura, e até agora nenhum comentador percebeu o mistério que se oculta no prefácio de Roteiros VIII. Quando o PR nos pede consenso para 20 anos de servidão voluntária, percebi que era preciso finura hermenêutica. Será que o magistrado supremo pretendia imitar Jonathan Swift, que na sua satírica Modesta Proposta (1729), sugeria o canibalismo infantil para resolver a mendicidade irlandesa? Compreendi que a coisa era ainda mais subtil ao ler a frase onde se esconde o enigma: "Pressupondo um crescimento anual do produto nominal de 4 por cento e uma taxa de juro implícita da dívida pública de 4 por cento, para atingir, em 2035, o valor de referência de 60 por cento para o rácio da dívida, seria necessário que o Orçamento registasse, em média, um excedente primário anual de cerca de 3 por cento do PIB". Os simplórios pensaram que isto era a manifestação de um desejo, de uma preferência. Na verdade, trata-se apenas da tradução para a realidade portuguesa das exigências que os partidos do arco da governação contraíram ao aceitarem a revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento, nomeadamente o Regulamento (UE) n.º1177/2011, que obriga a reduzir a dívida pública excessiva, até ao limite de 60%, em vinte anos, assim como o reforço da camisa-de-forças contido no Tratado Orçamental, que é a nova Constituição Europeia, desde 01-01-2013. Afinal, Cavaco é um discípulo da escrita esotérica de Leo Strauss. É adepto de um erotismo semântico, que esconde, revelando. Que oculta, manifestando. O país está à deriva. Mas, revisitar as obras de Cavaco nesta lógica da suspeita interpretativa, promete as delícias de uma nova e iniciática ciência.

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